O espaço urbano, na sua forma
mais famosa, a cidade, é um espaço de discórdia e de mixórdia social, cultural,
intelectual e ideológica. Desde a antiguidade que tudo o que acontece e parece
ter valor e simbolismo, acontece na cidade, embora esta ideia “cidadocentrica”
não me pareça totalmente matemática. No entanto, é na cidade que o passado e o
futuro se cruzam, é na cidade que o presente parece não existir, é na cidade
que o capital se concentra, é na cidade que a maioria dos seres humanos vivem,
é na cidade que as desigualdades sociais e económicas se acentuam, enfim, é na
cidade que muitos dos fenómenos relevantes se desenvolvem e isso é um pouco relevante demais para ser ignorado.
No meio de uma panóplia de factos,
artefactos, pessoas, coisas e informação, surgem nas paredes e nos muros a
invocação de uma realidade cultural complexa mas acessível a todos – embora nem
todos consigam ler esses símbolos. Nesses muros vivem artistas, poetas e
filósofos que são invocados e regenerados a cada gota de tinta espalhada de
forma mais ou menos regular no betão, na chapa, na madeira ou onde der jeito ao
artista ou ao comum mortal objectivar as suas ideias e ideologias. Os muros são
hoje espaços artísticos, socio-politicos e culturais fundamentais para reflectir e ensaiar a nossa existência.
Nos muros fala-se de tudo,
pensa-se em tudo e mostra-se de tudo. Neles descobri-mos alguns dos mais belos
pensamentos contemporâneos, neles descobri-mos a “nova arte” que se chama
urbana mas que de urbana só tem o nome, pois o que lá se espalha de forma
objectiva, é acima de tudo uma identidade global – pois não são apenas os urbanitas e
os urbanos que o fazem e possuem tais crenças e valores. O que os muros dizem,
é para todos e para alguns (quando estes últimos são alvos de referência ou de ataque) e é
sobretudo um património artístico e cultural dos homens e das mulheres que
buscam hoje referências identitárias novas e inovadora, pós-modernas e encantadoras.
Os muros são humanos, os humanos vivem nos muros e ambos são ideias e produtos
da paixão pelo domínio da nossa existência.
Muito pode ser escrito sobre este
tema, a vontade é muita mas a capacidade é pouca. Mas é nos muros e em todas as
superfícies que a tinta se espalha e faz com que os gigantes humanos ganhem
vida e sejam invocados como parte do passado ou do presente para nos ensinar a
ver, a entender e a viver a vida de todos os dias. Assim como a construir um futuro real
e igualmente utópico, onde o ideal da fraternidade, a igualdade e a
reflexividade sejam parte das estruturas, superestruturas e infraestruturas das sociedades de
amanhã, que hoje são fantasias e igualmente a realidade – pois as mesmas residem em nós, na
nossas mentes e nas nossas mãos e os muros das cidades (e dos campos) são o
mais puro exemplo material disso mesmo.