quinta-feira, 5 de abril de 2012

Os Muros, As Superficies e as Superestruturas


O espaço urbano, na sua forma mais famosa, a cidade, é um espaço de discórdia e de mixórdia social, cultural, intelectual e ideológica. Desde a antiguidade que tudo o que acontece e parece ter valor e simbolismo, acontece na cidade, embora esta ideia “cidadocentrica” não me pareça totalmente matemática. No entanto, é na cidade que o passado e o futuro se cruzam, é na cidade que o presente parece não existir, é na cidade que o capital se concentra, é na cidade que a maioria dos seres humanos vivem, é na cidade que as desigualdades sociais e económicas se acentuam, enfim, é na cidade que muitos dos fenómenos relevantes se desenvolvem e isso é um pouco relevante demais para ser ignorado.


No meio de uma panóplia de factos, artefactos, pessoas, coisas e informação, surgem nas paredes e nos muros a invocação de uma realidade cultural complexa mas acessível a todos – embora nem todos consigam ler esses símbolos. Nesses muros vivem artistas, poetas e filósofos que são invocados e regenerados a cada gota de tinta espalhada de forma mais ou menos regular no betão, na chapa, na madeira ou onde der jeito ao artista ou ao comum mortal objectivar as suas ideias e ideologias. Os muros são hoje espaços artísticos, socio-politicos e culturais fundamentais para reflectir e ensaiar a nossa existência.


Nos muros fala-se de tudo, pensa-se em tudo e mostra-se de tudo. Neles descobri-mos alguns dos mais belos pensamentos contemporâneos, neles descobri-mos a “nova arte” que se chama urbana mas que de urbana só tem o nome, pois o que lá se espalha de forma objectiva, é acima de tudo uma identidade global – pois não são apenas os urbanitas e os urbanos que o fazem e possuem tais crenças e valores. O que os muros dizem, é para todos e para alguns (quando estes últimos são alvos de referência ou de ataque) e é sobretudo um património artístico e cultural dos homens e das mulheres que buscam hoje referências identitárias novas e inovadora, pós-modernas e encantadoras. Os muros são humanos, os humanos vivem nos muros e ambos são ideias e produtos da paixão pelo domínio da nossa existência.


Muito pode ser escrito sobre este tema, a vontade é muita mas a capacidade é pouca. Mas é nos muros e em todas as superfícies que a tinta se espalha e faz com que os gigantes humanos ganhem vida e sejam invocados como parte do passado ou do presente para nos ensinar a ver, a entender e a viver a vida de todos os dias. Assim como a construir um futuro real e igualmente utópico, onde o ideal da fraternidade, a igualdade e a reflexividade sejam parte das estruturas, superestruturas e infraestruturas das sociedades de amanhã, que hoje são fantasias e igualmente a realidade – pois as mesmas residem em nós, na nossas mentes e nas nossas mãos e os muros das cidades (e dos campos) são o mais puro exemplo material disso mesmo.



terça-feira, 3 de abril de 2012

Jogo


"Fito-te - E o teu silencio é a minha cegueira".
Fernando Pessoa



 Foto: Helena Almeida - algures no século XX.


Fito-te, falo-te, tento sentir a tua inesquecível - mas simplista - presença, mas parece que ambos desejamos  algo em excesso (talvez demasiado): cada um para seu lado. 
Tudo isto não passa de um jogo de antagonismos, onde um acende e o outro apaga, e assim ficamos durante boas parcelas de tempo colorido, até que tu tiraste partido das barreiras impostas por decisões nossas - quiçá alheias.

E pronto, assim foi e assim é: não é nada do que eu quero, é tudo o que desejas (pelo menos é o que me ensinaste). Mas na realidade (se é que isto é real), isto é mais do que isto, ultrapassa a visão matemática do fenómeno em que nos envolvemos e deduz-se num resultado sorridente: afinal, no seio disto tudo, ainda cá estamos, e é na presença e no ser que reside a força da dupla que somos enquanto indivíduos soltos e autónomos mas com tempos, espaços, crenças, valores e ideias em comum. A nossa cultura é a mesma e o laço não se rompe - mesmo que desenhes barreiras e antagonismos entre nós. 

Não se rompe porque não faz sentido que assim seja, seria uma falta de bom senso, pois tudo isto que existe e deixa de existir, é um jogo divertido - ao qual ambos sabemos perfeitamente jogar. Quer queiramos, quer não, isto é divertido e é parte integrante do nosso ser. Se assim não fosse, eu não te fitava, nem te falava, pois simplesmente não existia-mos. Este jogo é nosso, é um cruzamento de subjectividades que têm dificuldade em objectivar-se, é um "Monopólio" de emoções (ao estilo do tal jogo de tabuleiro) , onde cada um tenta vencer, tirando proveito da miséria alheia.

Mas como isto é um jogo, e apenas um jogo, não te levo a mal, pois os jogos são assim mesmo: feitos de derrotados e vencidos (ou empatados) e a participação urge como o mais relevante e realizador, sendo a experiência - tanto negativa como positiva - fundamental para a nossa evolução ontológica. 
Enfim... Mas - desculpa a ousadia - eu não me esqueço que sempre partiste em vantagem! Ora, é a fabulosa sabedoria popular, pois tal como dizem os antigos e clássicos: tu tinhas - e tens - a faca e o queijo na mão.